Práticas agressivas ao meio ambiente por uso de agroquímicos começam a ser coibidas pela Justiça no Estado
Paraipaba. Numa das ações mais céleres contra o abuso de agrotóxicos por uma empresa do agronegócio no Estado, a Justiça do Ceará deferiu liminar proibindo a empresa Companhia Bulbos do Ceará (CBC), que atua no segmento de flores e plantas ornamentais neste Município, de usar veneno.
A decisão, na última terça-feira, ocorre duas semanas após denúncia do Ministério Público do Estado sobre o abuso e uso indevido de veneno pulverizado no plantio na fazenda da empresa em Barreira Vermelha, Paraipaba.
Lá é onde os moradores já reclamam de coceira na pele e problemas respiratórios e que foi comprovada a morte de animais por intoxicação. As irregularidades foram confirmadas pela Agência de Defesa Agropecuária do Ceará (Adagri) e pelo Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento.
Bulbos são espécies de caules arredondados dos quais brotarão as flores. A plantação pela empresa CBC está posicionada dentro de um povoado, ao lado de uma fazenda de gado leiteiro e a, aproximadamente, 100 metros da Lagoa da Cana Brava, principal reservatório de água que abastece o Município de Paraipaba.
Portanto, lugar inapropriado para a prática da pulverização aérea de veneno. "Além deste agravante para utilização de agrotóxicos, a área está localizada em um platô (área alta) com incidência de fortes ventos", aponta o documento.
A constatação foi da Adagri, órgão subordinado à Secretaria do Desenvolvimento Agrário do Ceará (SDA). Juntamente com o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), confirmou que os agrotóxicos utilizados pela empresa não possuem o registro administrativo pelos órgãos ambientais Estadual e Federal para serem aplicados no cultivo das culturas Amaryllis, Calladium e Cana indica. Dos 29 agrotóxicos utilizados pela CBC na plantação de bulbos, dez são extremamente ou altamente tóxicos ao meio ambiente, segundo relatório da Adagri. Um deles é o clorpirifos, com o ingrediente ativo organofosforado.
Para agravar, o Ministério Público suspeita que a CBC não tenha licenciamento ambiental para operar. A suspeita inicial vem de um próprio "Relatório Técnico de Constatação" emitido pela Semace indicando "operacionalização sem licenciamento ambiental". O promotor de Justiça, Lucas Felipe Azevedo de Brito, autor da Ação Civil Pública, requereu à Semace os possíveis documentos do licenciamento, mas ainda não obteve resposta.
ContaminaçãoPássaros estão sumindo da localidade de Barreira Vermelha, e quando morreram 16 cabeças de gado da Fazenda Menino Jesus, do produtor Henry Rietra, ele não só suspeitou como teve certeza de que o motivo foi o veneno dispersado em pulverização aérea.
Sua fazenda e a da CBC são separadas por uma cerca, mas a pulverização aérea leva veneno conforme o vento. Desta forma, atingiu a pastagem, que serve de alimento para as vacas, que produzem leite para consumo humano na região. O Caderno Regional denunciou o problema na edição do último dia 2 de fevereiro.
O presidente da Câmara Setorial de Floricultura, Gilson Gondim, havia afirmado que a CBC "tem cumprido seus compromissos ambientais, respeitando as normas. Inclusive, ela fornece capim para diversos produtores vizinhos".
Dessa vez a comprovação da morte de animais por intoxicação com agrotóxicos usado pela CBC está em laudo técnico do médico veterinário Antônio Inácio Félix e, principalmente, no "Resultado de Análise Toxicológica" elaborado pelo Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que recolheu amostras de fígado.
"Isso já demonstra de forma cabal a ocorrência de dano ambiental e evidencia que a população residente nas áreas vizinhas também está sendo afetada", afirma o promotor, Lucas Felipe Azevedo de Brito. Ele pediu a suspensão imediata da aplicação de veneno, medida obtida por decisão do juiz Bizerril Azevedo, da Comarca de Caucaia, mas que neste período também responde por Paraipaba. Em caso de desobediência, a empresa terá multa diária de R$ 10 mil.
"Existem atrelamentos políticos e econômicos que fazem com que situações como essa, de contaminação do homem e do meio ambiente, persistam sem que haja providências enérgicas. É o que acontece em Limoeiro e que não deve acontecer em Paraipaba ou canto algum", afirma o professor Hélio Herbster, vereador de Limoeiro e um dos poucos a lutar contra a pulverização aérea de agrotóxicos naquele Município.
De acordo com o morador Valberclê de Castro, a pulverização aérea ocorre pela madrugada até o início do dia, e os moradores das casas mais próximas reclamam de coceiras e problemas respiratórios, e que a "fumaça" se espalha pela área onde estão localizadas as casas.
Valberclê é presidente da Associação Comunitária Beneficente Cacimbão Antônio Tereza. Outra preocupação alegada é que após a pulverização a empresa "joga muita água" no terreno. O veneno já espalhado pelo ar também colocaria em risco os recursos hídricos dos poços artesianos das casas e da Lagoa da Cana Brava, principal reservatório de abastecimento para a população de Paraipaba.
Fique por dentro
Riscos ao homem
A aplicação de agrotóxicos já impõe diversos riscos ao homem e, também, ao meio ambiente quanto mais for realizada sem os critérios que pregam a legislação. São aproximadamente 130 residências e 680 habitantes na comunidade de Barreiras, no Município de Paraipaba.
Um povoado com escola, posto de saúde, fazendas de gado, além de produção agrícola. A comunidade vive da agricultura e da produção de leite. Vizinho a Barreiras está a comunidade de Cacimbão, cujos moradores também reclamam do problema.
O combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos tem sido uma bandeira conjunta dos principais órgãos ambientais desde o ano passado, após uma série de constatações sobre a manipulação irregular do veneno em lavouras no Vale do Jaguaribe e na Serra da Ibiapaba. A ação fiscalizadora repercute, hoje, para todo o Estado do Ceará.
MAIS INFORMAÇÕES
Ministério Público (MP) do Estado do Ceará
Comarca de Paraipaba
Telefones: (85) 3363.1442 / 1226
CONTESTAÇÃO
CBC vai recorrer contra decisão judicialO bulbo cearense se torna competitivo em relação ao de São Paulo e da Holanda, maior mercado consumidor
Paraipaba. A Companhia de Bulbos do Ceará (CBC) nega que haja irregularidades na aplicação de agrotóxicos e descarta até mesmo a prática de pulverização aérea. "Não utilizamos de pulverização por avião em nosso processo de cultivo", afirmou a assessoria da empresa, que pretende recorrer da decisão judicial.
Ainda acrescenta que a aplicação de defensivos é feita dentro das normas técnicas e obedecendo às "melhores práticas agrícolas, equivalente às utilizadas nos demais Estados brasileiros, na Europa e nos Estados Unidos".
A empresa nega que utilize produtos químicos sem registro administrativo de órgãos federais e estaduais, mas limita-se a dizer que "todos os defensivos agrícolas utilizados pela CBC estão registrados na Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace)".
Sobre ter dificultado a fiscalização pelos técnicos da Adagri, a CBC também nega categoricamente. Mesmo assim, são fortes as acusações contra a empresa, com base nos relatórios da Adagri (lavrou auto de infração) e do Ministério da Agricultura. Este último órgão verificou ausência de autorização dos produtos químicos em três tipos de culturas de bulbos cultivados.
O professor de direito ambiental e vereador em Fortaleza, João Alfredo Telles, afirma que os veículos terrestres que atuam com duas asas dispersoras, jogando o veneno diretamente no ar, também configura um tipo de pulverização aérea, portanto realizada pela empresa.
Criada em 2004, a CBC é considerada referência na produção de bulbos. O ´caule arredondado´ do qual se brotaram as flores é um dos principais subprodutos da floricultura exportados pelo Estado. Em aproximadamente 20 hectares totalmente irrigados são produzidos até 3,5 milhões de bulbos de Amarílis por ano, dividindo para Estados Unidos e Europa. Em épocas de forte safra, a CBC, de propriedade de holandeses, emprega até 150 trabalhadores.
Em Paraipaba, atuam as empresas CBC e Ecoflora. Clima propício (longo período de sol), logística (somente 50 km do Porto do Pecém), mão-de-obra barata e baixo custo da terra são alguns dos atrativos para as exportadoras. Os bulbos ficam armazenados em câmaras frias para retardar o florescimento, o que acontece somente no destino da mercadoria. Para dispor sempre da mão-de-obra local, as empresas fazem treinamento de pessoal.
MELQUÍADES JÚNIORREPÓRTER
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